Xadrez das organizações que dominam o Rio de Janeiro

Cabral

Vítima do clima persecutório que tomou conta da Justiça, após a manipulação política da Lava Jato, paradoxalmente o ex-governador fluminense Anthony Garotinho é o exemplo mais contundente da relevância da justiça federal – e do Ministério Público Federal – contra o crime organizado incrustado nos poderes de alguns estados.

O desabafo que fez nas redes sociais, na tarde de sábado, é a manifestação mais completa, até agora, sobre a tomada do Rio de Janeiro por uma aliança política que junta todos os poderes e a mídia.

Pelo retrato traçado por Garotinho, o crime organizado se instalou no Executivo estadual através do ex-governador Sérgio Cabral; espalhou-se pelo Legislativo, pelas mãos de Jorge Picciani; foi blindado no Judiciário, pela influência do desembargador Luiz Zveitter e pela prevaricação do Ministério Público Estadual; tudo isso sob a proteção incondicional das Organizações Globo.

Trata-se de um depoimento essencial por dois motivos. Primeiro, pelo fato de Garotinho ter começado a denunciar o esquema em 2012, não sendo levado a sério. Todas suas denúncias revelaram-se corretas.

Depois, porque Garotinho diz possuir provas documentais do que fala. Partindo de quem está sendo alvo de uma pesadíssima campanha persecutória, movida pelos poderes estaduais, é duvidoso que esteja blefando.

Suas denúncias atingem os seguintes personagens:

Sérgio Cabral

Em 2012, na CPMI de Carlinhos Cachoeira, Garotinho tentou incluir Sérgio Cabral, apontando-o como beneficiário das propinas da construtora Delta, de Fernando Cavendish. Não logrou êxito, nem quando entrou com uma queixa-crime contra Cabral.

Instalada no Rio de Janeiro, as Organizações Globo passaram todo o período desqualificando a CPMI, para proteger Roberto Civita, o dono da Abril que se meteu em parcerias criminosas com o bicheiro Cachoeira, e o próprio Cabral. Tanto que, na época, seu nome pouco aparece.

A blindagem a Cabral só caiu quando houve um acidente de helicóptero. E, no celular de uma das vítimas, estavam as fotos da chamada “gang dos guardanapos” celebrando em um restaurante fino de Paris a compra das Olimpíadas. As fotos se constituíram no documento mais expressivo desses tempos de corrupção.

Luiz Zveitter e o Tribunal de Justiça

Em 2012, ainda, foi divulgado um áudio de conversa de Cavendish, jactando-se de comprar políticos, senadores e magistrados. Afirmava que nunca seria preso porque pagava propinas em todas as obras, inclusive nas obras do Tribunal de Justiça do Rio.

Garotinho conta ter ido atrás do contrato da obra. Assinaram, pela Delta Dionisio Gonzaga, e pelo TJ o presidente Luiz Zveitter, o poderoso desembargador considerado unha e carne com a Globo.

Garotinho teria solicitado, então, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um relatório sobre a obra. Recebeu com conclusões contundentes. Apontava superfaturamento, anotava que o edital não passou pelo crivo da assessoria jurídica do Tribunal, havia indícios de fraude fiscal e tributária. E – principalmente – sinais claros de que a licitação era dirigida para a Delta.

O edital foi aprovado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), antes de cinco dos conselheiros serem afastados por suspeita de corrupção. Mas técnicos do Tribunal apresentaram voto divergente apontando:

·      Pagamento de R$ 33 milhões a mais do que o que havia sido contratado;

·      Vários itens pagos não haviam sido realizados.

·      Alguns itens foram atestados como concluídos sem estarem.

As obras foram bancadas por dinheiro do fundo do TJ do Rio, implantado pelo próprio Garotinho em sua gestão.

As represálias teriam ocorrido imediatamente. Temendo que protocolasse a denúncia, uma pessoa procurou Garotinho, em nome de Zveitter. Teria sido recebida, segundo Garotinho, para preservar imagem de pessoas que poderiam ser inocentes, já que Cavendish citava Ministros, desembargadores e juízes.

Posteriormente, Cavendish reiterou as denúncias, mas desta vez em delação premiada. Até hoje não houve um desdobramento sequer delas.

Como represália, por duas vezes a Justiça do Rio tentou cassar sua esposa Rosinha, prefeita de Campos. A primeira tentativa foi derrubada por liminar do Ministro Og Fernandes; a segunda, por liminar de Herman Benjamin.

Não é coincidência que, após ter denunciado o esquema de Campos, na primeira ação julgada pelo Tribunal do Rio de Janeiro, eu tenha sido condenado pelo desembargador Cleber Ghelfenstein por difamação contra… Eduardo Cunha. Segundo o magistrado, eu teria equiparado Cunha a sonegadores.

Montaram, então, um esquema pesado em Campos – já descrito pelo GGN em reportagens do ano passado. Dois juízes de direito, um delegado da Polícia Federal e um policial civil aposentado seriam os integrantes da organização acionada por Zveitter. Sobre eles, se falará mais abaixo.

A Operação Chequinho

Primeiro, deflagram a Operação Chequinho, visando encontrar irregularidades na distribuição do cheque – um programa para famílias pobres que antecedeu a própria Bolsa Família. Resultou na prisão de Garotinho. A violência com que ocorreu a prisão, com Garotinho sendo arrancado à força de um hospital, chamou atenção para o juiz Glaucenir Silva de Oliveira, uma dessas bestas-feras que o punitivismo deixou à solta. E não apenas para ele, mas para a crueldade ímpar com que a Globo e alguns de seus jornalistas – como Arthur Xexéo – fuzilaram a família Garotinho, não poupando sequer as lágrimas da filha.

Segundo narrou Garotinho, na operação Chequinho o delegado Cassiano entrava da casa de beneficiários do programa, de bermudas, fazendo por lá mesmo as oitivas. Não permitia à pessoa entrar em contato com advogado, em ficar calada. Segundo ele, quando o processo saiu das mãos do juiz Ralph Manhães, várias dessas testemunhas, cidadãos humildes, declararam ter sido coagidas, muitas delas assinando os depoimentos sem terem lido. O delegado saia da casa das pessoas, ia à lan houve, imprimia os documentos e as constrangia a assinar.

A alegação do juiz Glaucenir, para a truculência contra Garotinho, foi a de que um emissário dele o teria procurado com uma proposta de suborno. Garotinho abriu um processo contra o juiz, que não conseguiu provar o ocorrido.

Mesmo processando e sendo processado por Garotinho, Glaucenir não se deu por impedido de julgá-lo novamente.

A operação Caixa Dágua

A segunda investida foi na chamada Operação Caixa D´Agua, um monumento à arbitrariedade.

A operação nasceu de uma delação, acusando Garotinho de receber R$ 3 milhões da JBS, através do caixa 2. A denúncia foi feita pelo promotor eleitoral. Nela, ignorou completamente o fato de que foi doação oficial para o PR, registrada no site do Tribunal Regional Eleitoral, com dados sobre o número do cheque e o valor – no vídeo, Garotinho mostra os dados oficiais. Depois, a doação foi repassada para Garotinho, tudo de modo oficial.

O promotor fez uma falsa denúncia, desconsiderando as informações oficiais do TRE, encaminhou ao mesmo juiz Glaucenir, que endossou a acusação. Não havia uma informação sobre contrapartidas, indícios de crime algum. Apenas um delator e uma falsa denúncia. E levou à prisão de Garotinho e da esposa Rosinha.

Segundo Garotinho, o delator tinha negócios com a prefeitura, na gestão do seu adversário político, prefeito Rafael Diniz.

Na delação, acusou Garotinho de ter recebido doações não declaradas nas eleições de 2010, 2012 e 2016. Segundo Garotinho, na mesma delação ele informava não se lembrar dos doadores nem dos valores. Nem tinha documentos para embasar as acusações.

Mesmo assim, Garotinho foi arrancado do programa que mantem na rádio Tupi Pelo delegado federal Paulo Cassiano.

Os personagens do jogo

Após o episódio traumático da prisão de Garotinho, sendo retirado à força de um hospital onde tratava de problemas cardíacos, sob cobertura total da Globo, com Xexeo ridicularizando até o choro da filha, o GGN resolveu investigar o caso.

Em um conjunto de matérias (clique aqui) levantamos os antecedentes e desdobramentos daquela operação destrambelhada. E encontramos um jogo complexo, de estruturas políticas controlando a prefeitura de Campos, envolvendo o prefeito, dois juízes de direito, um promotor de Justiça, um delegado da Polícia Federal e um policial civil aposentado, todos de valendo das prerrogativas do cargo, sem serem submetidos a nenhuma espécie de controle das instâncias superiores – comprovando uma ofensiva verticalizada contra Garotinho, iniciando nas autoridades municipais e se desdobrando nos órgãos superiores do estado até bater no guarda-chuva maior das Organizações Globo.

O jogo começava com o procurador eleitoral que fazia a denúncia, que era aceita pelo juiz Glaucenir. Este tomava a decisão de mandar prender Garotinho e, depois, passava o caso para o juiz estadual Ralph Manhães, acompanhado do promotor Leandro Manhães.

Como era supostamente crime eleitoral, de âmbito federal, as investigações eram realizadas pelo delegado federal Paulo Cassiano.

Segundo informações apresentadas por Garotinho nas redes sociais:

1.     O delegado Cassiano tem irmão e irmã em cargos de confiança na gestão atual de Campos, do prefeito Rafael Diniz. Foi denunciado à corregedoria da PF, sem que nenhuma medida tenha sido tomada.

2.     A delação que o incriminou foi homologada no dia 17 de novembro. A sentença saiu no mesmo dia. No dia 14 de novembro, a empresa do delator teria obtido da prefeitura o quinto aditivo a um contrato, no valor de R$ 2,7 milhões. Ao longo do ano, recebeu mais de R$ 5 milhões a título de reformas de escola e creche.

3.     Desde 2015, o promotor Leandro Manhães responde a procedimento de investigação criminal no âmbito do MPE – sem que nenhuma medida tenha sido tomada até agora.  Segundo Garotinho, relatório do serviço de inteligência da Polícia Civil o teria apontado como verdadeiro dono do Patio Norte, empresa responsável pela remoção de veículos acidentados e por leilões judiciais da cidade. Na gestão Rosinha, a empresa foi devolvida ao município. Com Rafael Diniz, entregue novamente ao esquema. Em 2015 Garotinho informou o MPE das irregularidades. Nenhuma providência foi tomada, sequer gerando impedimento da atuação de Leandro contra a pessoa que o denunciou.

Ex-prefeito Eduardo Paes

A metralhadora giratória de Garotinho não se deteve apenas no grupo que o ataca. Segundo ele, dispõe de documentação mostrando conta do ex-prefeito Eduardo Paes no Panamá, tendo o pai como laranja. A conta teria saldo de US$ 8 milhões.

A corrupção de Paes teria ocorrido através das organizações sociais da saúde e dos gastos com as Olimpíadas – muito maiores do que os gastos do estado.

O PF José Mariano Beltrame

Não escapa da denúncia nem o ex-Secretário de Segurança de Cabral, José Mariano Beltrame, ex-integrante da inteligência da Polícia Federal. Garotinho o acusa de uma compra de veículos para a Polícia Militar, modelo Gol, cada qual saindo por R$ 150 mil. No mesmo período, caminhonete top de linha custava R$ 120 mil.

A compra foi feita contra parecer jurídico da própria Secretaria de Segurança.

Organizações Globo

Garotinho diz que, quando o deteve, a PF o conduziu em um carro não caracterizado, com policiais com roupas comuns. E eles teriam retido vários pen drives que ele trazia consigo.

Um dos pen drives conteria a íntegra da delação premiada de J. Hawila ao FBI. Segundo Garotinho, haveria vários documentos comprovando o envolvimento direto da família Marinho com o suborno de dirigentes esportivos.

A Globo e as armas do deboche

Em 2004, uma jovem procuradora   entrou com uma ação contra a Globo, obrigando-a a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta, por informações distorcidas sobre crianças com deficiência em suas novelas.

Foi alvo de duas colunas de Xexéo tentando desmoralizá-la. A procuradora reagiu, e ameaçou processar Xexéo. De dentro da própria Globo, recebeu o recado de seu porta-voz:

– Cuidado que Xexéo tem espaço no jornal e se especializou em transformar pessoas em personagens grotescos, como fez com Rosinha Garotinho.

Foi o que fez com a filha do casal Garotinho, Larissa, zombando das lágrimas de uma filha pela situação a que estava exposto o pai.

As lições do caso

A Lava Jato e o movimento do impeachment colocaram nas mãos da Globo um poder absoluto. Com o mero controle das manchetes e da cobertura do Jornal Nacional, com a capacidade de retaliar ou de premiar, a Globo se tornou uma influência decisiva junto ao Poder Judiciário e, especialmente, junto ao Ministério Público Federal.

Só avança inquérito que recebe o aval da Globo. E aparecer em um dos jornais da emissora é a aspiração máxima de um grupo de procuradores ativistas de Twitter.

Os Zveitter mantêm seu poder, porque a Globo quer. Uma reportagem da Globo tiraria o TCE do comodismo atual, mas a Globo não quer. Uma organização criminosa viceja em Campos de Goytacazes. E a Globo fecha os olhos, porque inimigos dos meus inimigos são meus amigos.

O papel central de um grande veículo de mídia, em países civilizados, é o de combater as disfunções dos demais poderes. A denúncia séria de veículos sérios é peça central nos processos de auto-regulação de um país. São os batedores que farejam o mal feito, alertam a opinião pública e, através dela, acionam-se os demais poderes.

A bandeira anticorrupção da Globo tem lado. E ela usa de acordo com critérios comerciais, não critérios cidadãos. É o que explica o arrefecimento da campanha contra Temer, coincidindo com aumento da publicidade oficial. Ou os rios de dinheiro despejados nela pela suspeitíssima Confederação Nacional do Comércio – que coopta não apenas o grupo, mas seus jornalistas.

É o que explica, igualmente, que, no estado sede do maior grupo de comunicação da América Latina, tenha vicejado o mais nefasto esquema de corrupção do país.

Hoje em dia, a corrupção fluminense é o maior argumento em favor da federalização dos crimes estaduais, do papel do MPF e da PF. Mas toda essa ação tem limites: o Executivo e o Legislativo. Acima disso, entra-se no território protegido da Globo.

E mostra que um dos pontos centrais de legitimação da mídia – o de, através do “furo”, não esconder sujeira debaixo do tapete – é exercido, atualmente, só pela imprensa alternativa. Combate à corrupção que tem lado, é briga de quadrilha.

Peça 1 – os judeus de Niterói

O caso Luiz Zveiter– o poderoso presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – lança luzes sobre um dos grupos de maior influência, e menos visibilidade, na política do Rio de Janeiro: a comunidade judaica de Niterói.

Os primeiros judeus chegaram à Niterói nas décadas de 1910 e 1920, originários da Polônia, Rússia, Romênia e, especialmente, da Bessarábia. Especialmente os judeus romenos sempre se constituiram em núcleos fechados e bastante polêmicos em todas as comunidades em que se organizaram, até em Israel.

Suas primeiras atividades eram a de clientelchiks ou prestamistas, vendedores ambulantes de mercadorias como joias, relógios, roupas etc. sob prestações, conforme tese de Andrea Telo da Corte “A história dos judeus em Niterói” (clique aqui).

Com a evolução natural, montaram comércio em lojas de móveis, imobiliárias, construtoras etc, cuidando da educação superior dos filhos.

Em 1917 foi fundada a Associação Israelita de Niterói. Em 1922, a Biblioteca Popular Israelita Davi Frishman, visando preservar a cultura ídiche – e que se tornou espaço de convivência da ala progressista da comunidade, que teve como principais lideranças José Godgaber, Henka Godnadel, Moisés Kawa e Isaac Jarlicht.

Em 1925 surgiu o Centro Israelita de Niterói, mantendo uma escola ídiche, e sendo disputado por dois grupos rivais, concorrentes de ideias e no comércio: Isaac Treiger e o de Jacob Tubenchlak.

Progredindo socialmente, as associações se mudaram para a zona sul da cidade, próximas à praia. Um racha da CIN levou à fundação do clube Sociedade Hebraica de Niterói. E, em 1967, o BDF mudou o nome para Associação Davi Frishman de Cultura e Recreação (ADAF), com a sede definitiva incorporando biblioteca e clube.

O lado progressista seguiu a vocação humanista do judaísmo. O lado conservador incorporou Bolsonaro e o MBL em suas pregações.

E se menciono o grupo, é para contextualizar as redes de relacionamentos, do mesmo modo que Paulo Maluf com a colônia sirio-libanesa de São Paulo. Obviamente, os patrícios não têm responsabilidade sobre a atuação individual de cada membro da colônia.

Peça 2 – a extensa capivara de Luiz Zveiter

Maior influência no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Luiz Zveitertem origem nessa comunidade judaica de Niterói. Faz parte do grupo que veio da Bessarabia e que deu, entre outros, Samuel Wainer, o fundador da Última Hora.

Sua influência começou na OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro). Seu pai, Waldemar Zveitter, assumiu a presidência.

Vem de Waldemar as relações dos Zveiter com a Rede Globo. Em 1989, Waldemar defendeu Roberto Marinho no divórcio com Ruth Albuquerque. E também contra a TV Aratu, de quem Marinho tirou o sinal da Globo na Bahia, trocando por Antônio Carlos Magalhães – ao mesmo tempo em que ACM lhe dava o controle da NEC, fabricante de equipamentos de telefonia (clique aqui).

Através da instituição, a família Zveiter penetrou profundamente no sistema judiciário brasileiro, valendo-se da figura do Quinto Constitucional (representantes de outros poderes indicados para os tribunais superiores por sua corporação).

Waldemar chegou a Ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), nomeado por Fernando Henrique Cardoso; Luiz entrou no TJ do Rio também pelo quinto constitucional, indicado pela OAB-RJ. Nenhum dos Zveiter prestou concurso para juiz. Um dos filhos de Waldemar assumiu a OAB-RJ.

A influência de Luiz se ampliou quando assumiu o cargo de auditor da Confederação Brasileira de Futebol e Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica do Rio de Janeiro por dois mandatos; o pai, Waldemar, por outros três. Quando deixou a CBF, nomeou o filho como sucessor.

Mas seu poder se consolidou definitivamente como presidente do TJ Rio no biênio 2009-2010, provavelmente a mais polêmica gestão de um presidente de tribunal na história moderna do país.

Antes, como corregedor, foi acusado de ter beneficiado a própria namorada no 61o Concurso para Tabelionato do Rio de Janeiro. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) abriu um Procedimento de Controle Administrativo (PCA) para investigar o caso (clique aqui). O relator, conselheiro José Adonis Callou de Araújo Sá, afirmou ser “incompatível com os princípios da moralidade e da impessoalidade a participação do Corregedor-Geral de Justiça como presidente da comissão examinadora de concurso do qual participe como candidata a sua namorada ou ex-namorada”.

Na denúncia, os candidatos preteridos sustentaram que Luiz Zveiter era namorado da candidata Flávia Mansur Fernandes, aprovada em 2º lugar; e tinha “amizade íntima” com Heloísa Prestes. Segundo a denúncia, Heloísa não possuía sequer o domínio da língua inglesa e, menos ainda, do vocabulário jurídico (clique aqui). Diziam eles que ambas as candidatas tinham sido beneficiadas em outra ocasião, indicadas por Zveiter para responderem pelo 2º Ofício de Notas de Niterói, em detrimento do substituto.

Posteriormente, a decisão foi derrubada no STF (clique aqui).

Outro episódio contro-vertido foi sua recusa de oferecer proteção policial solicitada pela juíza Patricia Accioly, que investigava corrupção policial na Polícia Militar de São Gonçalo. A juíza foi executada (clique aqui).

Depois, vem uma série infindável de irregularidades, de indícios fortes de corrupção.

Foi acusado de ter feito uma concorrência com preço excessivo, para a construção da sede do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro. A beneficiária foi a construtora Lopes Marinho Engenharia e Construção Ltda. O projeto foi paralisado, mas a construtora recebeu R$ 12 milhões pela obra (clique aqui).

Ainda em 2011 foi acusado de beneficiar a construtora Cyrela, que tinha como advogado seu filho. A empresa disputava uma área com o proprietário. No primeiro julgamento, Zveiter forneceu informações que favoreciam a Cyrela, quando o caso estava sendo analisado pelo TJ. Foi aberto contra Zveiter um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

Segundo a agência CNJ, “o magistrado – na época, presidente do Tribunal de Justiça do Rio – teria fornecido informações, favorecendo assim a incorporadora, quando da análise do caso pela corte fluminense. Em seu voto, a ministra Eliana Calmon destacou os vínculos entre a Cyrela e Zveiter. O escritório de advocacia da família do magistrado, por exemplo, é patrocinadora de várias causas da empresa” (clique aqui).

Finalmente, foi acusado de beneficiar a construtora Delta, de Fernando Cavendish, na licitação para as obras da sede do TJRJ, tendo passado incólume (assim como o governador Sérgio Cabral) pela CPMI de Cachoeira – que gorou graças às pressões das Organizações Globo.

Na ocasião, Zveiter recebeu um elogio inesquecível do governador Sérgio Cabral (clique aqui):

 “O presidente está de parabéns pela qualidade que está oferecendo à população do Rio de Janeiro, graças à eficiência ímpar e capacidade singular de liderar um poder do desembargador Luiz Zveiter. Estamos aqui, hoje, para abraçar o Tribunal de Justiça e o senhor por essa iniciativa marcante. Posso afirmar que o Rio de Janeiro tem o melhor Tribunal de Justiça do Brasil”.

Ao todo, o CNJ abriu 26 PCA contra Zveiter (clique aqui). Nenhum foi adiante.

Peça 3 – o segredo da influência de Zveiter

O domínio dos Zveiter sobre o TJ-Rio é absoluto e se consolidou através da distribuição de benesses aos juízes, com a manipulação das diárias. Grande parte dos juízes trabalha fora de suas bases, para aumentar a renda. Por exemplo, o juiz indicado para Quissaman, no mês seguinte é transferido para Bom Jesus de Tabapoana; o de Tabapoana é transferido para Magé. Com esse jogo, além dos R$ 33 mil de remuneração, levam mais R$ 24 mil com esse jogo de diárias.

Esse expediente foi possível graças à Lei dos Fatos Funcionais elaborada por Luiz Zveiter, aprovado em meio ao recesso parlamentar de julho de 2009, na Assembleia Legislativa do Rio, e sancionada pelo governador Sérgio Cabral (clique aqui), de acordo com o excelente levantamento da Agência Pública.

As ligações com Cabral já eram intensas. Entre 2006 e 2010, o escritório de advocacia dos Zveiter recebeu R$ 30,9 milhões em contratos de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio (CEDAE).

Pela Lei de Fatos Funcionais, os juízes têm direito a receber auxílio-saúde, auxílio-moradia, auxílio-educação, auxílio-alimentação, adicionais por acúmulo de funções, por dar aula e outras indenizações.

A Lei permite que, hoje em dia, mais de 98% dos juízes e promotores estaduais ganhem acima do teto (clique aqui).

O grande pacto do Rio juntou, assim, no Executivo Sérgio Cabral; no Legislativo, Jorge Picciani; no Judiciário, Luiz Zveiter. O sistema policial não ficava de fora. Costurando tudo, o ex-deputado Eduardo Cunha, montando acordos com a Polícia Civil e com a Polícia Federal.

Na presidência da Câmara Federal, Eduardo Cunha tentou acelerar a votação da PEC que vincula tetos de subsídios de delegados das polícias Federal a Civil a 90,25% dos proventos de Ministros do STF.

Quanto a PGR denunciou Cunha, coube à Adepol-RJ (Associação dos Delegados de Polícia do Rio de Janeiro) a mais candente defesa de Cunha (clique aqui):

Cumprimentando-o, a Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro – ADEPOL/RJ -, por seu Presidente, tem a honra de apresentar a Vossa Excelência, o nosso irrestrito apoio contra o ato abusivo da Procuradoria Geral da República de criminalizar mediante a judicialização da política, em matéria tipicamente eleitoral, tendo em conta o pedido de instauração de inquérito, em face de Vossa Excelência, no Supremo Tribunal Federal. Como disse certa feita o Ministro do STF Sepúlveda Pertence, Ex-Procurador-Geral da República, ao afirmar que “havia ajudado a criar um monstro!”.

Zveiterjamais fez questão de esconder sua fortuna.

Sua festa de casamento, no Copacabana Pálace, teve 1.000  convidados, entre os quais 33 Ministros do STJ. Foram consumidas 60 caixas de champagne Taittanger.

Além disso, Luiz Zveiter tem uma frota de automóveis Mercedes de vários tipos. Costumava ir ao Tribunal com uma Mercedes último tipo. Mas foi aconselhada por colegas de que pegava mal.

Em 2017 Zveiter tentou se candidatar novamente, mas o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) impediu por causa de sua ficha, pesadíssima. Mostrou-se dono de grande audácia, tentando forçar a barra, sem conseguir.

Peça 4 – Zveiter e os tribunais superiores

Mesmo assim, montou conexões variadas no Rio, muitas deles em cima das redes de relações da colônia judaica.

Uma dessas figuras é o Delegado da Polícia Federal Marcelo Itagiba, que se tornou influente como aliado de José Serra, e chegou a deputado federal. Outro é Luiz Fichs, judeu-romeno como Zviter, que abrasileirou o nome para Fux, e se tornou Ministro do STF graças, entre outros, ao empenho de Luiz Zveiter e da ex-primeira dama Adriana Anselmo.

Em 2010, a Procuradoria Regional da República questionou a constitucionalidade da Lei dos Fatos Funcionais. Em 2012, o Ministro Ayres Britto votou a favor da PGR. Coube a Luiz Fux pedir vistas do processo, que até hoje está guardado em sua gaveta.

Além de ex-desembargador do TJRJ, Fux é pai de Marianna Fux, jovem advogada, inexperiente, que chegou a desembargadora do TJRJ graças a dois padrinhos poderosos: Luiz Zvitter e a ex-primeira dama Adriana Anselmo. Segundo informações de todos que a conheceram, o conhecimento de Marianna era suficiente para, no máximo, aspirar a um cargo de assessora.

Nas ações que enfrentou no CNJ, o advogado maior de Zveiter era o ex-Ministro da Justiça de Lula, Márcio Thomaz Bastos. No período Lula e Dilma, conseguiu emplacar vários Ministros no STJ, apesar dos constantes alertas recebidos pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.

Peça 5 – a delação que não houve

Por questão de justiça, o Ministério Público Federal e a Procuradoria Geral da República se constituem nos derradeiros fatores de resistência ao poder de Zveiter.

O tema que mais o atormenta atende pelo nome de Fernando Cavendish, o empreiteiro dono da Delta Engenharia, único dos grandes empreiteiros que não aderiu à delação premiada.

A amigos, Cavendish já havia declarado que, se preso, recorreria à delação. Foi detido, junto com seu parceiro Carlinhos Cachoeira. Mas a 6a Turma do STJ mandou soltá-lo em agosto de 2016 (clique aqui), após um empate que o beneficiou.

Na decisão do STJ pesou não apenas o fator Zveiter, mas o fator Adir Assad e Marcelo Abbud, os dois doleiros que abririam as portas dos esquemas paulistas do PSDB para a Lava Jato.

Os dois votos que livaram Cavendish foram dados pelo Ministro Antônio Saldanha, egresso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; e Nefi Cordeiro.

Embora o pedido de habeas corpus fosse solicitado apenas por Cachoeira, Nefi Cordeiro decidiu estendê-la aos demais detidos (clique aqui).

Foi liberado não apenas Cavendish, como Adir Assad. Nunca mais foram incomodados.

Essa conexão altamente polêmica, tornar-se-á mais perigosa sabendo-se que o Ministro Luiz Fux presidirá o TSE em 2018, e poderá barrar Lula, já que sua inegibilidade se tornou o negócio político da década.

Por Luis Nassif, em GGN.

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